Folha de S. Paulo, sábado,
8 de dezembro de 2012
Let’s move on Fernando Rodrigues
Um registro sobre
Niemeyer: era gênio. Nunca quis viver em Brasília.
Sobre os “gostos” arquitetônicos de Niemeyer leia o artigo de Plinio
Corrêa de Oliveira abaixo.
Revolução
em estilo colonial
Brasília foi e continua a ser objeto de
discussões, no âmago das quais se encontra, como é claro, o problema dos altos
predicados ou dos graves defeitos da chamada arte moderna. Esta polêmica se
generalizou tanto que, do Brasil, passou para outros países. E um dos indícios
de quanto ela continua vivaz pode encontrar-se no fato pitoresco narrado em
recente telegrama de Lisboa. A cidadezinha de Moimenta da Beira, próxima de
Vizeu, resolveu construir um estabelecimento de ensino, e adotou um projeto
inspirado no símbolo de Brasília.
“Estava o edifício em fase de acabamento –
informa a AFP – quando a Câmara Municipal, achando-o demasiado arrojado, resolveu
mandar demolir sua fachada”. A corrente modernista da vila não se deu por
vencida, e tentou um golpe de força para impor a conservação da fachada “brasílica”.
Arregimentando seus fiéis, avançou rumo ao edifício, a toque de apitos de
fábrica e repicar de sinos. Espantados, os pobres operários que davam início à
demolição pararam. Os próprios manifestantes procederam à reconstrução do que
fora destruído. E a arte de que é corifeu o arquiteto Oscar Niemeyer triunfou
em Moimenta da Beira.
* * *
A casa da foto é nova. Sua construção
começou em 1961. Mas, como se vê, seu estilo é colonial. Fachada longa,
monótona, melancólica, sem graça. Parece a reconstrução de alguma antiga
senzala.
A que vem ela?, perguntará sobressaltado
algum leitor liberal. "Catolicismo" vai afirmar que essa casa oferece
melhores condições de habitabilidade que alguma das novas e modernas
residências de Brasília? Seria levar realmente o "reacionarismo"
muito longe, a um extremo que tocaria as raias do delírio, e afrontar a
sabedoria da população "moderna" de Moimenta da Beira, bem como do
mundo inteiro!
Aquiete-se nosso leitor. Quem prefere
morar nessa casa, com esse jeito, é o arquiteto Oscar Niemeyer. Pois essa é a
residência que para si ele construiu em Brasília, quase em frente ao Sítio do
Ipê. E, diz um matutino paulista, quando "lhe perguntaram a razão por que
fizera para si próprio uma casa em estilo colonial, respondeu com simplicidade:
é nela que vou morar". O que significa, ao que parece, que o estilo
Brasília é bom para os outros. Para ele não, ó habitantes progressistas de
Moimenta da Beira e outros lugares do mundo!
A casa está situada num terreno de 100 m x
200 m e tem 563 metros quadrados de área construída. Faz duas concessões apenas
ao moderno. Uma é o traçado irregular de sua piscina. Da outra falaremos
depois.
* * *
Quer que, uma vez pelo menos, batemos
palmas ao Sr. Oscar Niemeyer? Não. Nem sequer quando constrói ele em estilo
tradicional, a influência socialista deixa de se fazer sentir em suas obras.
Assim, por que fazer esta casa com ares de
senzala? A construir em estilo colonial, porque não se inspirar nos modelos tão
simples e tão nobres que ele oferece em abundância?
Considere-se, por exemplo, no segundo
clichê, esta fachada da Casa dos Governadores, no bairro do Garcia, em
Salvador, também chamada a Casa do Conde dos Arcos (de D. Marcos de Noronha
Brito, Governador de 1810 a 1817). Apesar da nobreza de suas linhas, tem as
dimensões da residência de um particular e estaria acessível ao Sr. Niemeyer.
Por que, em lugar de se inspirar nela, ou em modelos análogos, foi se inspirar
em construções tão pouco representativas do que nosso passado tem de melhor?
* * *
Economia? Simplicidade? Gosto de viver
como os pobres?
Será que o criador de Brasília não teve
remuneração suficiente para fazer para si habitação condigna? E por que então
revestiu de mármores os cinco banheiros da casa? Por fim, qual a razão que o
levou a relegar seus empregados em dependências que têm pé-direito de apenas
2,45 m, com cobertura de zinco, o que deve ser tremendamente quente nos dias de
verão (e constitui a segunda concessão que a casa faz à arquitetura moderna)?
* * *
Vemos nisto, não amor à tradição, mas
gosto da contradição e da vulgaridade.
O que, com escândalo para os habitantes de
Moimenta da Beira e outros lugares, nos parece presente como deplorável
sintoma, em toda Brasília.
Catolicismo, n° 137, maio de
1962, seção ACC, “Revolução em estilo colonial”.
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