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Princesa Paley em traje de gala |
A virtude pode florescer em qualquer classe social, entre ricos ou pobres, seja entre pessoas com uma educação esmerada, seja sem ela. Mas, onde quer que exista, a virtude propende a levar a um aperfeiçoamento das maneiras exteriores de portar-se e dos modos de ser dos indivíduos e das famílias. Assim, um homem ou uma mulher que progridam na virtude, qualquer que seja sua condição social ou econômica, tenderão a ser mais bem educados e mais corteses no trato do que eram antes. A virtude é uma árvore frondosa que produz flores de civilização temporal e frutos de salvação eterna. A conversão religiosa e moral dos bárbaros nos primórdios da Idade Média, por exemplo, trouxe como consequência a esplêndida civilização temporal cristã, em que os costumes oriundos da barbárie aos poucos foram sendo substituídos por outros cheios de esmero, de delicadeza mesmo e de brilho social. Nada há mais contrário à virtude cristã do que o comunismo. Assim, não espanta ter ele procurado tornar oficial, desde seu advento na Rússia, um modo de ser e de portar-se que pouco faltava para assemelhar-se ao dos animais selvagens. A cena, cuja descrição colocamos a seguir sob os olhos dos nossos leitores, fala por si. * Dentre os nobres assassinados pelos bolcheviques, de 1917 a 1919, estava o Grão-duque Paulo Alexandrovitch, tio do Czar Nicolau II. Sua esposa, conhecida como Princesa Paley, tendo conseguido depois fugir com suas filhas, em 1919, para a França, lá escreveu suas memórias: “Souvenirs de Russie”, Plon, Paris, 1923. Quando da prisão de seu marido, em agosto de 1918 – após um longo processo de perseguição e confisco de bens – foi ela, juntamente com o Dr. Obnissky, médico do grão-duque, pedir a libertação deste. Para isso, dirigiram-se à temível Tcheka de São Petersburgo (hoje Leningrado), onde haviam conseguido uma audiência com o comissário do lugar, Moisés Salomonovitch Ouritsky, à uma hora da tarde. Chegaram com antecedência, o salão de espera estava cheio. Sentamo-nos num canto. Novas pessoas chegavam, de tempos em tempos ... um contínuo pronunciava um nome e novo visitante era introduzido no aposento. Uma hora, duas horas, três horas se passaram. Eu notava que não apenas aqueles que chegaram antes de mim, mas também muitos dos que chegaram depois, haviam partido há muito tempo. A Princesa preocupava-se com o médico, confusa de o privar do almoço e de o fazer perder seu dia. Quatro horas, cinco horas. Às cinco e meia, eu sentia uma fúria surda subir dentro de mim. Eu percebia que aquele ser odioso agia de propósito, para desprezar-me, atormentar-me, para me ridicularizar. Por fim, às seis horas e um quarto, quando não havia mais ninguém, o contínuo chamou: a cidadã Paley e o cidadão Obnissky. Penetramos no salão vermelho no qual, sentado ante uma mesa, Ouritsky escrevia. Ele levantou a cabeça e dirigindo-se ao doutor, num tom duro e autoritário: - O que quereis, o que necessitais? Tendo o médico declarado que queria ver seu paciente, foi-lhe negada peremptoriamente tal permissão e teve de retirar-se. Depois, voltando-se para mim: - Quanto a vós, senhora, sentai-vos, eu a atenderei num instante. Ele apertou um botão e um homem apareceu com uma bandeja que colocou sobre a escrivaninha. Eu estava sentada em frente dele, do outro lado do escritório. Ouritsky se pos a tomar sua sopa, um prato cheio. Ele a tomava avidamente, como um glutão, lançando no prato grandes pedaços de pão que mastigava fazendo ruído. Ele se serviu de um grande copo de vinho vermelho, que tomou de um trago. Terminada a sopa, ele se apoderou de um prato cheio de pedaços de vitela e de batatas regados com molho de tomate. Um silêncio profundo reinava, não se ouvia senão o ruído da mastigação daquele ordinário. Apesar da dor, da angústia, do cansaço, da fome, eu olhava para esse ser odioso e me sentia tomada por uma insensata vontade de rir. Eu pensava: - Tu crês que me humilhas conduzindo-te assim como um boçal que és; se soubesses como isso me é indiferente e quão profundamente eu te desprezo! Eu esperei certamente 25 minutos para que o ogro [ser espantoso] apaziguasse sua fome. Ele devorou ainda alguma coisa, uma torta de maçã, creio; depois, enxugando seus lábios engordurados e carnudos, me disse: - Agora, senhora, eu vos ouço. (pp. 230-2). Evidentemente, o comunista nada concedeu aos justos reclamos da Princesa. Mas mostrou bem quem ele era!
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A Princesa com a família |
Fonte: Catolicismo, dezembro de 1990 (excerto). * Ao chegar ao sanatório de Ranha, fui recebida pelo Doutor Gabrilovitch, que me disse que as minhas filhas não tinham sido avisadas da minha chegada. - Eu vou estar lá – disse-me ele – e se o choque for demasiado violento, tenho tudo à mão que possa ser preciso, como valeriana, éter, etc. Caminhei por um longo corredor, acompanhada pelo doutor e por Mme. Kharine, depois subimos as escadas até ao primeiro andar e paramos em frente de uma porta. - É este o quarto – disse o doutor em voz baixa. Estava consciente do ritmo frenético do meu coração. Tirei o meu chapéu com o longo véu crepe para não as assustar e abri a porta rapidamente. No quarto à minha frente vi as minhas queridas filhas a quem teria de contar sobre o terrível golpe. Teria dado a minha vida para poupá-las. Ao ouvirem-me entrar, elas levantaram as cabeças e agarraram-se a mim com exclamações de alegria: - Mamã, querida mamã! – Depois, após um momento ou dois, a Irina perguntou: - E o papá? Onde está o papá? Por que é que ele não está aqui? A tremer dos pés à cabeça contra a porta, eu respondi: - O papá está doente, muito doente. A Natália desfez-se em lágrimas. A Irina, alerta, e branca até aos lábios, os seus olhos a arder como carvão, gritou: - O papá está “morto”! - O papá está morto – repeti em voz baixa, enquanto as duas se moldavam nos meus braços. Passei duas semanas terríveis com as minhas pobres meninas. Não tive coragem de lhes dizer que o pai delas, tão bom, tão generoso, tão leal, tão nobre de coração, tinha desfalecido como a vítima de assassinos infames. Disse-lhes que ele tinha morrido de doença, sem agonia, sem dor. * Irina (a filha mais velha da Princesa) recordou mais tarde um passeio que tinha dado no jardim com o seu pai e a sua irmã mais nova em que o Grão-duque lhes explicou o que o seu casamento com a mãe de ambas tinha significado para ele: “Ele falou conosco prolongadamente sobre tudo o que devia à nossa mãe, tudo o que ela lhe tinha trazido que ele nunca tinha conhecido anteriormente, e sobre tudo o que ela significava para ele. Ele falou enquanto caminhávamos, o que o ajudou a ultrapassar a sua personalidade reservada e a sua intensa timidez. Será que na altura ele já pressentia que não lhe restava muito tempo de vida? Sinto-me tentada a acreditar que sim e que ele nos estava a pedir para tomar conta da nossa mãe quando ele já não pudesse estar com ela”. Souvenirs de Russie, Plon, Paris, 1923 * Após o assassinato de seu marido, a Princesa decidiu fugir o quanto antes da Rússia em companhia de suas duas filhas, mantendo a esperança de que seu filho único ainda estivesse com vida. Graças à ajuda de um soldado do Exército Branco, partiram secretamente de Petrogrado e caminharam durante três dias e três noites sem outro veículo que suas próprias pernas, atravessando a superfície congelada do Lago Ladoga. Como o lago era vigiado à noite por potentes focos acionados pela Guarda Vermelha, o soldado e guia conseguiu ocultá-las sob lençóis brancos, para que não pudessem distinguir suas silhuetas em meio ao lago gelado. Depois de um périplo dramático, a princesa e suas duas filhas conseguiram chegar sãs e salvas em Helsinki. Em seguida, se dirigiram a Paris onde se instalaram definitivamente. A Princesa Olga Paley não poupou gastos e meios para ajudar os exilados russos que afluíam a Paris; em 1926, organizou uma festa beneficente com o fim de arrecadar fundos destinados ao sustento dos que escaparam da Rússia e das crianças russas exiladas em Paris (1927). |
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