De acordo com historiadores, esta
festividade foi trazida para o Brasil pelos portugueses, ainda durante o
período colonial. Nesta época, havia uma grande influência de elementos
culturais portugueses, chineses, espanhóis e franceses: da França veio a dança
marcada, característica típica das danças nobres e que, no Brasil, influenciou
muito as típicas quadrilhas (quadrille, em francês); a tradição de
soltar fogos de artifício veio da China, região de onde teria surgido a
manipulação da pólvora para a fabricação de fogos; da Península Ibérica teria
vindo a dança de fitas, muito comum em Portugal e na Espanha.
Estes elementos culturais com o passar do
tempo foram se misturando aos aspectos culturais dos brasileiros nas diversas
regiões do país, tomando características particulares em cada uma delas.
O mês de junho é o momento de se fazer
homenagens aos três santos católicos: São João, São Pedro e Santo Antônio.
Neste início de junho, lembranças, quais lindas borboletas, adejaram minha
memória. Um casal bem caboclo aproximou-se e, me tomando pela mão, levou-me
para perto de um Mastro de Santo Antônio, erguido para ser o ponto central dos
louvores de seus devotos.
Ouço atenta e emocionada as Ave-marias que se sucedem, respeitosas e um
tanto monótonas, e, olhando ao redor, vejo rostos compenetrados e reverentes.
Mais adiante, a mesa farta e colorida atrai os olhares curiosos e gulosos das
crianças. Bandeirinhas tremulam ao sopro do vento de inverno; uma fogueira
crepita alegremente e enche de luz e calor o ambiente.
Ah, a Festa de Santo Antônio preparada por Dona Maria e ‘Seu’ Benedito!
Que saudades!
Velhos e crianças, jovens e não tão jovens, participam dela todo ano. As
mãos prendadas da dona da casa fazem - com o esmero e o capricho de quem tem
muito afeto para dar - doces e salgados quase tão especiais quanto Santo Antônio.
A fogueira enorme me atrai enormemente. Como eu gosto de olhar essas
chamas intensas! Bailando, as fagulhas sobem, sobem, e se apagam no ar quente.
Elas nos fazem entender como são fátuas as luzes das glórias humanas. A luz
intensa se reflete nos rostos dando-lhes um brilho incomum, fazendo-nos admirar
qualidades antes não vislumbradas.
Em certas regiões do Brasil, era costume naquela noite dois amigos
saltarem a fogueira e, a partir de então, passavam a tratar-se de
"compadre". A amizade entre os dois "compadres" chegava a
ser mais forte que os laços de família. Pena que tal costume perdeu-se nos novos
tempos...
Os foguetes pipocam no ar e assustam as crianças menores que se encolhem
junto à saia da mãe. Maravilhosamente coloridas as luzes invadem o profundo céu
de inverno, semeando flores e estrelas de fogo. Os olhares enlevados acompanham
aquela explosão de pompa.
Alguém mais hábil no manejo de instrumento musical ensaia uma “modinha”
no acordeão. Logo as pessoas mais extrovertidas o acompanham. “Cai, cai balão;
cai, cai, balão! Aqui na minha mão”; “Capelinha de melão é de São João...” As
vozes tímidas de início vão aumentando num crescendo animado, enquanto os fogos
abrilhantam a cena.
A tão aguardada hora da degustação dos quitutes da anfitriã finalmente
chegou! Pamonha, cural, canjica, cuscuz, pipoca, bolo de milho, arroz doce,
bolo de amendoim, bolo de pinhão, bom-bocado, broa de fubá, cocada,
pé-de-moleque, batata doce... Ufa! Não sei quantas coisas deliciosas ainda
posso aguentar... O quentão cheiroso é sorvido com temperança.
O acordeão continua a tocar; algumas pessoas começam a dançar a
quadrilha. Os pares executam diversas manobras obedecendo à voz do mestre de
cerimônias. Mas eu já não ouço as singelas harmonias. As luzes da fogueira e
dos foguetes atraem totalmente minha atenção e me trazem tantas outras
lembranças!...
O toque insistente do telefone fez-me voltar à realidade. Fechei a
gaveta das minhas memórias e abri o arquivo real dos meus documentos.
Era preciso atender ao chamado e, depois, reiniciar no computador os
trabalhos interrompidos por lembranças de um passado que, infelizmente, não
volta.
Mas, será que não volta mesmo?! Ele vive e viverá sempre no mais íntimo
das almas daqueles que têm alma. Por uns momentos aquelas recordações criaram
vida e me deram vida. Se as festas juninas de hoje não são como as que eu vivi,
é porque o mundo cada vez menos valoriza os pequenos detalhes e as grandes
amizades. Tenho certeza de que todo o esplendor que eu via naquela festa
singela não era de todo real, mas sim reflexo de algo que estava implícito. O
afeto, a alegria sincera e inocente, o prazer de juntos comemorar algo, enfim,
o convívio harmonioso, eram fatores que davam às luzes, à música, ao calor da
fogueira um resplendor maior do que eles tinham em si mesmos.
Um dia as recordações mais nobres e belas ganharão vida e um mundo novo
há de surgir. Não mais dançaremos uma quadrilha desordenada e sem graça. Uma
melodia muito especial, vinda de corações sinceros e retos, ecoará nos quatros
cantos da terra.
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